Encontras-me em ti

 

Todos os escritos são da autoria de Fernanda Cruz

O grito e a razão

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“Porque é que as pessoas gritam ao falar com outras que estão mesmo ali ao pé?

Todos nós em algum momento fazemos isto, mas será que é para o outro nos ouvir melhor?

Comigo acontece o contrário, quanto mais me gritam menos oiço. E isto não é uma forma de falar, é mesmo assim. Acredito que seja um mecanismo de defesa para me proteger, dada a minha sensibilidade. Não deixo de ouvir o som produzido mas torna-se mais difícil atender ao conteúdo. Deixo de perceber e de tentar perceber o que a pessoa está a dizer.

Já gritei muito, é verdade, mas felizmente isto já só acontece de vez em quando e por breves momentos, o tempo necessário para que tome consciência do que estou a fazer.

Claro que não me estou a referir a ambientes ruidosos e cheios de gente onde há alguém que precisa fazer-se ouvir. Estou a falar de discussões, que muitas vezes são monólogos.

As palavras tem energia mas as formas como são ditas ainda empregam mais energia. Dependendo do que se trata, podem despertar em nós os mais variados sentimentos. A carga emocional de quem as profere vem junta com elas, e atinge o nosso campo energético com uma vibração diferente da nossa, desestabilizando-nos.

Comecei a analisar quais as circunstancias e motivos pelos quais gritava, quando o fazia, e cheguei à conclusão que não o fazia para ser ouvida mas para me convencer a mim própria de que aquilo que estava a dizer era verdade. E por vezes era, mas a verdade sobressai sozinha, não precisa de tons de voz elevados. Então o que sobra aqui é a hipótese de eu estar a tentar convencer alguém de algo que eu própria não tinha total certeza, ou não precisava marcar assim tanto a posição. Isto acontecia por desconhecimento de mim própria, por querer acreditar em algo que não era a minha verdade.

Reparem como a maior parte das pessoas (há sempre exceções) parece que estão a falar para si próprias quando alteiam a voz. Mais do que imporem aos outros as suas palavras, lutam para acreditar nelas, porque acreditam que é melhor acreditar nisso. Fazem-no para não ouvirem algo que as faça sentir que se calhar estão erradas.

Não seria mais simples dizer que não querem discutir o tema? Se não estão dispostas a ouvir respostas diferentes da que querem ou da única que aceitam, porquê entrar em diálogo?

Gosto cada vez mais de ouvir outras opiniões, independentemente da "razão" que eu possa ter. Se achar que é válida, saio enriquecida pelo ponto de vista diferente. Se achar que não é válido o que me estão a dizer, saio também enriquecida pelo aumento das minhas certezas, das que senti ao ser confrontada com a diferença de opinião. Se essa opinião for dada aos gritos, não saio enriquecida pois logo à partida desconfio da veracidade, tendo também o contra de terem tentado atingir o meu campo energético com energias que não me favorecem e de não ter conseguido prestar atenção ao conteúdo mas à forma.

O "argumento do pulmão" é o que se expõe quando não há outros. O silêncio e o olhar, em termos de argumento de resposta a uma investida destas, é o maior que se pode ter. O não reagir serve de espelho ao "agressor" e é a forma mais rápida de que este tome real consciência do que está a dizer, o que não implica que aconteça no momento. Responder com uma pequena pausa de silêncio, seguida de palavras verdadeiras num tom de resposta baixo é a melhor forma de contrapor alguém que está alterado. Ando a treinar para conseguir isto pois gosto que saibam que tenho razão mas gosto mais de manter a serenidade e o bem estar interior.”

 

 

Fernanda Cruz

 

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